sábado, 10 de novembro de 2007

Sex shops e aborto são serviços de saúde pública na China

Rua em bairro comercial de Pequim: entre uma casa de chá e um sapateiro, uma pequena loja, com símbolo hospitalar e a frase "saúde familiar".

A atendente, uma senhora em tradicional uniforme branco de enfermeira, sorri orgulhosa. O que à primeira vista parece ser uma farmácia é apenas mais um dos muitos sex shops espalhados pela cidade.

Notícia do jornal China Daily: cresce o número de abortos entre estudantes de 16 a 22 anos após o início de mais um semestre escolar.

As duas situações teriam um quê de perversão, atentado ao pudor e/ou crime em países como o Brasil. Na nova China, nascida após as reformas de Deng Xiaoping, o aborto é um direito de toda mulher e as sex shops são um serviço em favor da saúde mental e espiritual.

Liberar o aborto ou abrir sex shops governamentais não são, no entanto, propriamente símbolos maiúsculos de modernidade ou um intencional rompimento de dogmas que permeiam a cultura ocidental. São atos baseados muito mais na necessidade de controle populacional de um país com 1,3 bilhão de habitantes.

São atitudes possíveis num país comunista, ao menos oficialmente ateu, e pouco embebido pela culpa, marca de religiões dominantes no mundo.

Sex shops, por exemplo, proliferaram em função do represamento sexual vivido nos duros tempos de revolução cultural de Mao Tse-Tung.

"As pessoas reprimiram a prática sexual e o governo abriu sex shops para orientar a população como reaprender a fazer sexo livremente", explica uma jovem chinesa.

Há sex shops na maioria dos quarteirões de Pequim. São despidos do marketing da luxúria e da idéia de pecado, o principal combustível no ocidente.

Os espaços que se assemelham a pequenas farmácias de bairros, como em qualquer sex shop do mundo, oferecem nas prateleiras pênis de diversos materiais e tamanhos, estimulantes sexuais e camisinhas para todos os tamanhos e gostos.

As atendentes vestidas de enfermeiras que não se constrangem de nenhuma maneira com o tema estão dispostas a responder a qualquer pergunta do freguês.

Gao Zhimim, 49 anos, aposentou-se há quatro anos, após uma vida inteira dedicada à construção civil. Depois de um mês de treinamento, assumiu há dois o comando do sex shop montado em uma movimentada rua comercial ao leste de Pequim.

Em um espaço de seis metros quadrados, Gao atende a homens e mulheres do bairro que buscam especialmente camisinhas e variantes chineses do Viagra como As oito Maravilhas do Tibet, Amor de Cinco Noites, Espada de Prata, Tia Negra, Garota Apimentada e Aranha Vermelha. As pílulas custam entre US$ 2 e US$ 80 e prometem ereção e excitação prolongadas.

Filho único
O aborto é também tema de saúde pública no país e está por sua vez intimamente ligado ao planejamento familiar, instaurado há 30 anos. O objetivo do governo, então, era claro: não havia recursos naturais para fazer frente a uma taxa de natalidade alta, como a do início da década de 70.

Estudos indicavam que a China possuía então 21% da população do planeta e apenas 7% das terras produtivas. A taxa de fertilidade era de 5,8 filhos por mulher. Implantou-se o projeto de um filho por casal, em vigor até hoje. Caso queira ter mais de um filho, a família paga ao governo taxas tão altas que costumam consumir mais da metade da renda mensal.

A regra, no entanto, tem exceções. Não vale para algumas áreas rurais com pequena população e para pais cujos primeiros filhos nasceram com qualquer problema físico ou mental.

Com seu 1,3 bilhão de pessoas e taxa de natalidade de cerca de 1,2 filho por mulher, a China comemora os resultados, com desdobramentos até então impensáveis.

Além de tornar a população predominantemente masculina - já que a força de trabalho e necessidade de sobrevivência exige homens, a lei fez aumentar substancialmente o número de abortos em função da gravidez "indesejável".

As operações contam com total apoio do estado. O assunto é tão natural (e oficial) que nos últimos dias de setembro o jornal China Daily, órgão do governo em língua inglesa, destacava o aumento de abortos no reinício do ano letivo na província de Guangzhou (sul do país), com declarações e cifras pouco usuais para o ocidente.

"Tem se tornado uma rotina a cada semestre, por que estudantes conhecem muito pouco sobre controle de natalidade", explica Zhang Yurong, ginecologista do hospital local.

A mesma reportagem informa em 20 hospitais da região foram feitos abortos em 3 mil jovens menores de 18 anos no último ano.

Ter acesso quase familiar ao sex shops ou fazer abortos em qualquer esquina não mudaram, no entanto, o comportamento sexual dos chineses. Eles continuam conservadores.

Pesquisa realizada em 2005 por um fabricante mundial de preservativos indicou que apenas 22% dos adultos chineses dizem estar satisfeitos com sua vida sexual e apenas 17% admitem fazer sexo ocasional, contra uma média mundial de 44%.

Dizem muitos em terras chinesas que o inconsciente coletivo move o crescimento e a obsessão dos chineses para erguer a maior potência mundial. Sobram sex shops e abortos enquanto parece ser escasso o prazer sexual..

Esse conjunto de estatísticas e fatos sugere um paradoxo. Que não resistiria à simples lembrança da enorme capacidade da libido de se metamorfosear. De se adaptar. Assim como os chineses e seu inconsciente coletivo.

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