Pesquisa do Instituto Vox Populi, encomendada pelo Grupo A TARDE, mostra que a maioria da população desconhece o projeto de lei que irá definir o futuro perfil de Salvador: o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU).
De 500 entrevistados, somente 130 (26%) sabia o que era Plano Diretor – uma lei com o poder de nortear as ações da prefeitura nos próximos dez anos. No caso de Salvador, o prazo fixado no projeto em discussão é de oito anos.
A pesquisa mostrou ainda que apenas uma pessoa entre as 500 (0,2%) deu alguma contribuição ao projeto de lei. As entrevistas foram realizadas entre 17 a 20 de novembro, em domicílio, com moradores de no mínimo 16 anos. Algumas perguntas foram de resposta espontânea e outras ofereciam as opções: sim ou não.
A maioria dos entrevistados tem renda familiar entre um e cinco salários mínimos (56%), escolaridade de nível médio (40%), pele preta ou parda (86%) e trabalha (74%). A escolha das pessoas se baseou nos dados do IBGE sobre a composição da população local. A margem de erro é de 4,4%.
DESAFIO – Se o resultado da pesquisa coloca em debate a maturidade política dos moradores da cidade, também expõe a fragilidade da mobilização local realizada pela prefeitura em torno do tema. Desde 2001, o Estatuto da Cidade exige a participação popular na elaboração de planos diretores e responsabiliza as prefeituras pelo envolvimento da comunidade.
“No Brasil, é um desafio mobilizar a população em torno do Plano Diretor, porque o planejamento urbano sempre foi tecnocrático. O poder sempre foi extremamente concentrado. Mas, para que as cidades sejam justas, é preciso mudar a cultura política, não só a dos procedimentos administrativos, mas a de cada cidadão”, analisa a urbanista Raquel Rolnick, ex-secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. Ela foi uma das idealizadoras do Estatuto da Cidade.
“Por ser algo novo no País, os gestores municipais ainda não entenderam que o investimento no planejamento participativo traz desenvolvimento sustentável. Com ele, depois não será preciso ficar consertando os erros da lei com obras meia-sola. Sem esse entendimento, no final, quem acaba interferindo é quem sempre teve esse poder: o setor imobiliário”.
O resultado da pesquisa demonstra as conseqüências da postura dos poderes Executivo e Legislativo em relação ao PDDU. Ambos não investiram em mobilização popular a ponto de criar a participação necessária para a construção coletiva do projeto.
Quanto à prefeitura, cidadãos que foram às mais de 100 sessões promovidas procuraram o Ministério Público para reclamar do tempo para se manifestar nas reuniões (3 minutos) e a inexistência de justificativa da Secretaria Municipal de Planejamento sobre sugestões não incorporadas ao projeto. Esses problemas geraram ações civis promovidas pelo Ministério Público.
Já o Legislativo tem promovido audiências públicas sobre o tema, mas não as divulga. O presidente da Câmara Municipal, Valdenor Cardoso (PTC), alega que prefere devolver R$ 3 milhões à prefeitura no fim do ano a gastar uma parte do recurso em mobilização e capacitação em torno do PDDU. Sem divulgação, as audiências têm tido público inferior a 50 pessoas. Nem mesmo os vereadores comparecem ao debate: dos 41, nove não foram a nenhuma audiência, sete foram a uma, nove foram a duas.
Apenas um vereador, José Carlos Fernandes (PSDB), compareceu a todas as reuniões – sempre para cobrar consciência da importância da mobilização popular e da divulgação. Esta semana, 58% dos vereadores aprovaram a votação em caráter de urgência, acatando o pedido do prefeito João Henrique. Ou seja, o PDDU pode ser aprovado ainda antes do Réveillon.
REVISÃO – O PDDU em vigor data de 2004, mas descumpre o Estatuto da Cidade. Além de não ter sido construído de forma participativa, não possui o conteúdo mínimo exigido. O plano em vigor ignora, por exemplo, a regulamentação das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), áreas de ocupação precária. A regulamentação das Zeis só pode ser feita pelo PDDU.
Sem isso, a prefeitura tem difícil acesso a recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) – ou seja, fica sem dinheiro para fazer obras de urbanização e infra-estrutura essenciais em uma cidade onde 70% das habitações são precárias.
“Também é muito importante que o Plano Diretor preveja a regulamentação, em leis complementares, de plano municipal de segurança pública e Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), por exemplo. Primeiro, porque sem isso a cidade perde recursos federais; segundo, porque do contrário o prefeito poderá governar por decreto, sem consultar a população”, explica David Gonçalves Ramos, vereador do PC do B em Americana (SP), integrante da União Nacional dos Vereadores e membro do Conselho Nacional das Cidades.
Por não respeitar a lei federal, o PDDU em vigor começou a ser revisado em 2005. O novo projeto, revisado, está mais próximo do solicitado pelo Estatuto da Cidade: regulamenta as Zeis e define como diretrizes a existência de leis complementares. Contudo, a versão apresentada com pedido de urgência na votação possui um conteúdo que não havia sido compartilhado com a população: a liberação da altura dos prédios da orla.
Como A TARDE tem noticiado , a chamada “verticalização” da orla preocupa arquitetos e urbanistas, especialistas no tema, porque a prefeitura não acrescentou ao PDDU estudos técnicos que analisem possíveis impactos de edifícios de 12, 15 e 18 andares sobre a incidência de sol nas praias, a ventilação da cidade e o trânsito.
Especial - Dezesseis páginas para explicar, em linguagem jornalística voltada para leitores de todas as idades, o que o projeto de lei do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) diz em 96 páginas e nove mapas. E também buscar esclarecer o que não está escrito no projeto, mas poderá acontecer com a cidade no futuro.
Assim é o caderno especial que A TARDE traz encartado em sua edição de segunda. A publicação tem o objetivo de traduzir a linguagem técnica do projeto de lei, por meio de entrevistas realizadas com especialistas, mapas e gráficos.
Glossários definem termos pouco usuais usados pelo projeto, mas necessários para sua compreensão, como instrumento de política urbana, potencial construtivo e gabarito.
Na opinião de Raquel Rolnick, professora do mestrado em Urbanismo da PUC-Campinas, uma das principais barreiras contra a efetiva participação dos moradores de qualquer cidade é a linguagem técnica do projeto de lei, que se transforma em código cifrado para a maioria dos cidadãos. “É uma linguagem excludente mesmo”, diz Raquel, uma das idealizadoras do Estatuto da Cidade.
Para traduzir o PDDU, A TARDE contou com apoio de especialistas e também da própria prefeitura, especialmente a Secretaria Municipal de Planejamento (Seplam) e outras secretarias de áreas essenciais do plano, como Educação, Saúde e Transporte.